Para criar um
bebé só é preciso senso comum
O pediatra espanhol
Carlos González, autor do livro Bésame Mucho, regressou a Portugal,
a convite do projeto Mamar ao Peito, para uma conferência sobre amamentação.
Em entrevista à Pais&filhos, falou dos temas que mais preocupam os pais.
Basta ouvi-lo, lê-lo, para se ficar com a impressão de que ter filhos é a coisa
mais fácil do mundo.
Porque é que as
crianças resistem tanto ao sono? Porque é que tantas vezes não querem dormir?
A minha teoria é que os
bebés, na nossa sociedade, têm medo de ficarem sozinhos. A maioria das mulheres
do mundo anda com os filhos às costas todo o dia. A nós, europeus, custa-nos
compreender que somos muito poucos e que, na maior parte do mundo, não é como
nós fazemos. Na maior parte do mundo, os bebés andam às costas da mãe durante
todo o dia e dormem com a sua mãe à noite. Para os bebés africanos ou peruanos,
que andam nas costas da mãe todo o dia, é igual estarem a dormir ou estarem
acordados, porque adormecem e acordam e continuam junto da sua mãe. Mas, na
nossa sociedade, assim que o bebé adormece pomo-lo no berço. Então, os bebés
europeus passam várias vezes por dia pela experiência de que estão com a sua
mãe quando adormecem e quando acordam estão sozinhos. E eu penso que chegam à
conclusão de que é melhor não dormirem. Porque, senão, a mãe vai embora.
Há muitas críticas ao co-sleeping.
Que prejudica a autonomia da criança, que estraga o casamento…
Se não prejudica o
marido, não vai prejudicar o bebé. Há muitas mulheres que dormem com os seus
maridos e isso não prejudica a sua independência, o seu crescimento, não
acontece nada.
Mas não pode
prejudicar a relação?
Todos os nossos avós
dormiam com os filhos e tinham muitos mais filhos do que agora… De alguma
maneira se consegue.
(abre o livro de
Fernando Pessoa e lê)
“Quando eu morrer,
filhinho,/Seja eu a criança, o mais pequeno./Pega-me tu ao colo/E leva-me para
dentro da tua casa./Despe o meu ser cansado e humano/E deita-me na tua cama./E
conta-me histórias, caso eu acorde,/Para eu tornar a adormecer./E dá-me sonhos
teus para eu brincar/Até que nasça qualquer dia/Que tu sabes qual é.”
Isto era o normal em
1914.
A solução para as
crianças que acordam muitas vezes à noite é levá-las para a cama dos pais?
O problema é que existe
uma grande desconfiança em relação às mães e a tudo o que elas fazem. A
desconfiança existe na sociedade e nas próprias mães, que não têm confiança em
si próprias. Os bebés acordam várias vezes durante a noite, principalmente a
partir dos quatro meses. Se eu digo: «Quando o bebé acordar de noite, faz-lhe
uma massagem» e a mãe faz e o bebé adormece. A mãe pensa: «Que bem que funciona
a massagem». Se digo para pôr a cama virada para oriente, seguindo as
indicações do Feng Shui, e ele adormece, a mãe pensa: «Que bom é o Feng Shui».
Mas se digo: «Mete-o na cama contigo», e ele adormece, ninguém diz: «Que bom é
ele dormir comigo». Em vez disso, dizem: «Este bebé não dorme, se não o ponho
na minha cama não dorme». Ou seja, é algo que funciona, mas parece que é mau. E
passa-se o mesmo com o chorar. Dizemos: «Este bebé só chora, enquanto não lhe
dou colo não se cala». Mas se lhe dermos um medicamento e ele se calar dizemos
que o medicamento é maravilhoso.
Os bebés são muito
fáceis de criar, muito fáceis de cuidar, só há que usar um pouco o senso comum,
ver o que funciona e o que não funciona, lembrarmo-nos de quando fomos
crianças. Não é assim tão difícil.
Porque é que tantas
crianças não querem comer?
Quando dou uma
conferência, estou numa sala com 100 mães e pergunto: alguma vez, algum médico
ou enfermeiro lhes disse que o seu filho tinha pouco peso? Metade da
assistência levanta a mão. Depois, pergunto: alguma vez, o seu médico ou
enfermeiro lhes disse que o seu filho pesava muito ou estava gordo? Levantam a
mão duas ou três. Como é possível que, num país onde o maior problema de saúde
é a obesidade infantil, os médicos só encontrem três gordos e encontrem 50
magrinhos? Estamos loucos. Nós, os médicos, estamos a recomendar uma quantidade
exagerada de comida e, às vezes, conseguimos que as crianças comam o que
recomendamos. A obesidade infantil é devida, além de outros fatores, a milhares
de médicos que dizem aos pais que os seus filhos têm de comer mais. Não é cair
no absurdo de dizer que pese o que pese é normal e não tem importância. Há
coisas que não são normais. O estar demasiado magro é estar fora do gráfico [de
percentis]. O cinco por cento é normal, assim como o 95. Até o percentil um é
normal.
Os pais fazem muitas
coisas para tentar convencer os filhos a comerem: o aviãozinho, cantam. Sei que
é contra tudo isto.
Sim. Não há que fazer
nada nunca para obrigar o bebé a comer. Nem coisas boas, nem coisas más. Nem
dar-lhe castigos por não comer, nem dar-lhe prémios por comer tudo, nem
distraí-lo para que coma. Porque um bebé saudável comerá o que precisa e um
bebé doente não ganha nada se o obrigarmos a comer.
Como é que uma mãe pode
saber que o bebé está a mamar o suficiente?
Na realidade, é muito
difícil saber. Serve de pouco ver quanto tempo o bebé está na mama, porque uns
demoram mais tempo do que outros, uns mamam mais vezes do que outros. Costuma
dizer-se às mães que vejam se o bebé faz chichi, se faz cocó. Mas isso é pouco
útil e leva muitas mães a ficarem obcecadas, a apontarem sempre quando o bebé
faz chichi e cocó. A única coisa que pode comprovar se o bebé está a comer bem
é o seu peso. Por isso, é importante controlar o peso dos bebés nos primeiros
dias, logo a partir dos dois, três primeiros dias de vida. Depois, é absurdo
pesar um bebé todas as semanas. Basta olhar e vê-se que está bem. Mas é muito
difícil dar confiança a uma mulher, porque parece que há como uma tendência
espontânea para ter medo de tudo. Penso que as mulheres necessitam é de
informação, de apoio, acho que é muito útil ir a um grupo de mães durante a
gravidez, sem esperar por ter um problema.
Defende muito o
natural, mas faz questão sempre de frisar a importância das vacinas…
Eu não defendo o
natural, defendo o que é melhor para as crianças. Defendo que se deve dar colo
às crianças. Porque é natural? Não, porque é o melhor para as crianças. Também
acho que as crianças devem andar calçadas e isso não é nada natural.
Há gente muito tonta que
diz que o poder dos laboratórios obriga as vacinas a estarem no plano de
vacinação. Em Espanha, por exemplo, fecharam-se pisos inteiros de hospitais por
causa da crise. Mas não se atrevem a retirar as vacinas do calendário. Se os
laboratórios têm tanto poder, como permitiram que houvesse tantos cortes na
saúde? O governo sabe que se cortasse a vacina da difteria, daqui a cinco anos
haveria uma epidemia de difteria. É curioso como algumas pessoas usam a
bandeira da Organização Mundial de saúde para defender o parto natural e a
amamentação, mas se a OMS recomenda as vacinas dizem que está vendida aos
laboratórios. Uma vacina nem custa dez euros. Houve alturas em que os governos
quase tiveram de obrigar os laboratórios a fabricarem vacinas, porque elas são
tão baratas que o seu fabrico não rendia.
Os bebés têm mesmo
cólicas?
Sim... mas as cólicas
não são nada. É uma maneira de dizer que ele chora e não sabe o que se passa.
Mas doi-lhes a barriga
ou não?
Não há maneira de saber.
Não lhe podemos perguntar o que se passa. O que sabemos é que uns bebés choram
menos, outros choram mais. Alguns ficam bem no berço outros não. E sabemos que
os bebés choram menos se lhes dermos mais colo.
O colo e o mimo são a
melhor solução?
Sim, claro. Há pessoas
que dizem: «Se dás muito colo a um bebé, ele habitua-se». Se é assim, se o
deixares chorar, ele também se habituará. Mas as duas coisas são mentira. Esta
teoria da habituação é absurda. Muita gente crê que as crianças se habituam a
tudo por repetição. «Se a pões na tua cama: habitua-se e não vai querer sair da
tua cama. Se lhe dás colo: habitua-se e vai querer sempre colo.» Então se lhe
puseres a fralda, habitua-se vai querer sempre fralda. É absurdo. Ninguém usará
fralda aos 18 anos por causa disso. Quando o teu filho é criança faz coisas de
criança e quando for adulto fará coisas de adulto. Não muda porque o educaste,
muda porque cresceu.
O que é que um bebé
precisa para ser feliz e saudável?
Para ser feliz,
basicamente, precisa da sua mãe (ou alguém que faça o papel da mãe). Para ser
saudável… precisa de sorte. Há coisas que podem ajudar, mas, no fundo, é tudo
uma questão de sorte.
Alimentação
As crianças sabem o
que têm de comer?
Todas as crianças sabem,
todos os animais sabem. Um leão quando tem de comer come. Um mosquito quando
tem fome pica. Até um mexilhão, que não tem cérebro, sabe quando tem de comer.
É automático.
Mas as crianças,
muitas vezes, preferem comer bolachas e iogurtes em vez de carne e peixe.
As crianças gostam mais
de uns alimentos do que de outros. É normal. Nós adultos também. Mas os pais
perguntam: «se as deixarmos comer o que querem não comerão só doces?» Uma
criança de dois anos só comerá doces se em casa houver doces. Se os pais não
querem que os filhos comam doces, não devem ter doces em casa. Devem ter em
casa apenas a comida que achem que seja saudável. E assim, a criança poderá
comer o que quiser, pois tudo será saudável.
E os legumes e as
verduras? Porque é que as crianças os odeiam tanto?
A maioria das crianças
não gosta de verduras, não gosta de fruta, não gosta de sopa porque são
alimentos baixos em calorias. As verduras são muito saudáveis, mas são mais
saudáveis para os adultos e com o tempo o nosso gosto muda. De certeza que
agora comes mais verduras do que há 20 anos. As crianças têm o estômago muito
pequeno e se o enchem de coisas com poucas calorias não conseguem comer o
suficiente. Em África, por exemplo, há crianças desnutridas, mas os pais estão
bem. Porquê? Porque só comem mandioca e outras coisas que têm poucas calorias.
Um adulto pode comer dois quilos de mandioca, mas às crianças essa quantidade
não lhe cabe na barriga. E é por isso que quase todas as crianças preferem
alimentos com muitas calorias, como massa, batatas fritas, pizza, bolos e a fruta
que preferem é a banana, porque tem mais calorias. Há purés de verduras com
menos de 15 calorias, não é comida!
Escrito por Patrícia
Lamúrias
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